(Séc. IV)
A descida do
Senhor à mansão dos mortos
Que está acontecendo hoje? Um grande
silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um
grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou
silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há
séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.
Ele vai antes de tudo à procura de
Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão
mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro
de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.
O Senhor entrou onde eles estavam,
levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai,
o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O
meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu
espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te
dentre os mortos, e Cristo te iluminará.
Eu sou o teu Deus, que por tua causa me
tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com
todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam
nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’
Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes,
porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre
os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos;
levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te,
saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.
Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu
filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que
habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo
da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado
entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim
fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.
Vê em meu rosto os escarros que por ti
recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as
bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza
corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para
retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à
árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas
mãos para a árvore do paraíso.
Adormeci na cruz e por tua causa a
lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso.
Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte.
Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te
expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num
trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém,
que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te
guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está
preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído
o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos
adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado
para ti desde toda a eternidade”.