A sociedade sofre avalanches de todo tipo: escândalos morais no âmbito político, incoerências absurdas no mundo religioso, crises diversas nas relações familiares e a redução do trabalho à lógica do lucro. Pode-se fazer uma longa “ladainha de avalanches” que distanciam a vida de sua compreensão como dom, oportunidade de experiências valiosas. Sem nenhum sentido de pessimismo, ao fazer essas constatações, ainda é possível, louvado seja Deus, construir um rosário de fatos e acontecimentos que dignificam pessoas, alavancam a construção de uma sociedade justa e solidária. Existem ações de grande alcance, engenhadas com grande competência e espírito de solidariedade, que merecem constante reconhecimento e cotidiana divulgação, alimentando imaginários para que se tornem efetivas as convicções e condutas solidárias. E que a sociedade brasileira faça jus ao que canta, em verso e em prosa, de ser uma cultura marcada pela proximidade.
Contudo, é importante a consideração das condutas que geram prejuízos para se ganhar estatura no seu enfrentamento e, consequentemente, modificar cenários. Sobretudo o clamor dos mais pobres não pode ser desconsiderado nunca. Essa sensibilidade não deve servir apenas para construir argumentos e promessas em campanhas eleitorais. Escutar os pobres e considerar suas urgências, atendendo-as com presteza e como prioridade, têm uma força educativa que, se não for alcançada, reduz as conquistas apenas a indicadores econômicos. Esses números tornam-se insignificantes, pouco incidentes na vida dos pobres, quando não estão emoldurados por uma sensibilidade social e apurada consciência política que não é, obviamente, aquela partidária do cenário brasileiro.
Infelizmente, a consciência política partidária no Brasil é uma verdadeira lástima. Basta verificar a grande quantidade de siglas que carregam de tudo e tudo negociam, a partir de interesses cartoriais e grupais. Não menos, carregam também muitos que não têm competência para exercícios executivos e parlamentares, atrasando processos, burocratizando e retardando serviços para o bem comum. A sociedade não pode ser regida estritamente pelas ideologias desses partidos, tantas vezes filosoficamente pouco lúcidas, eivadas, não raramente, de interesses mesquinhos, ferindo direitos intocáveis. A vida social tem que ser pautada pela mais alta consciência cidadã, para que políticos, executivos e tantos outros compreendam e ajam, de fato, não como mandatários, mas como servidores dos interesses daqueles que neles depositaram confiança.
Retomando as “avalanches” que transformam a sociedade brasileira, merece consideração especial a profusão de informações e opiniões difundidas nas redes sociais. Pela internet, as pessoas podem se manifestar sobre tudo, mas é importantíssimo que o façam com responsabilidade, cada um reconhecendo o seu fundamental papel na construção de um mundo melhor. Aqueles que estão nos governos, nos serviços religiosos e humanitários, assim como os que se beneficiam destas ações, precisam redobrar a atenção para a exigência de ética nesse diálogo na web. Não se pode dizer e espalhar inverdades.
Na perspectiva das instituições, deve ser prioridade a manutenção de ouvidorias efetivas para que se saiba a opinião do povo sobre as ações dos governos, sobre os serviços religiosos e de entidades diversas, como uma prestação de conta social e indispensável diálogo numa sociedade que busca ser cada vez mais igualitária. Assim, os políticos não podem tomar cafezinho com o povo e andar nas ruas apenas no tempo das eleições. Os religiosos, primando pela conduta moral ilibada, devem comprometer-se com as instâncias de participação e comunhão no exercício de sua liderança. Os empreendedores não podem deixar de equilibrar seus interesses com aqueles da coletividade. Os formadores de opinião devem veicular mais a voz dos pobres. Neste caminho e com esta sensibilidade se garantirá a indispensável ética no diálogo que leva ao bem comum.
Arcebispo de Belo Horizonte (MG).