O termo amizade ou amigo não aparecem no corpus paulino.
Mas Paulo prefere a linguagem do parentesco para caracterizar as relações das
comunidades cristãs. Três pontos merecem ênfase: primeiro, as cartas eram o
meio principal pelo qual os amigos procuravam superar sua separação física; em
segundo, algumas das definições e descrições antigas típicas da amizade
aparecem em suas cartas; em terceiro, ainda que a palavra amizade não conste na
correspondência paulina, muitos dos termos ou conceitos do seu grupo
interligado constam. O mais frequente é o termo “parceria”.
A concentração de termos de amizade em 4,10 leva Paulo a
negar sua necessidade e a afirmar sua auto-suficiência em 4,11. Paulo rejeita
qualquer ideia de que sua amizade com os filipenses seja utilitária. Já em 4,12
uns catálogos de vicissitudes indicam como um indivíduo responde a situações
drasticamente diferentes e a frustrações na própria sorte.
O fato de os filipenses não terem abandonado Paulo no
tempo da sua aflição é então uma prova brilhante da realidade da amizade entre
eles. Mas não é a seus amigos de Filipos que Paulo atribui sua capacidade de
passar pelas vicissitudes da vida. Paulo atribui a Deus a função que outros
atribuem à virtude e à amizade. A afirmação de que Paulo considera Deus como
seu amigo é controversa, como também o é a asserção de que ele vê a Igreja como
uma comunidade de amigos. Sua base principal é o uso do termo reconciliação, o
qual tem o sentido de “mudar a inimizade para amizade”.
Os termos para amizade
e reconciliação são usados como sinônimos em relatos que descrevem o processo
de negociar uma trégua entre acampamentos inimigos. Em síntese, a reconciliação
produz uma mudança no afeto e na relação, marca o fim do ódio e o começo do
retorno ao afeto.
Um dos casos em que Paulo faz uso de múltiplos termos
associados com a amizade é a passagem de Fl 4,10-20 em que fala da agricultura
e da horticultura para descrever a amizade e seus préstimos. Então ele mistura
a linguagem agrícola com a comercial quando trata da amizade. A terminologia
utilizada por Paulo reflete a natureza recíproca do relacionamento de que ele
goza com os filipenses. Por causa da difusa
ligação entre amizade, inimizade e reconciliação, a descrição da ação de Deus
em Cristo que Paulo apresenta é reveladora. Deus agiu “enquanto éramos
inimigos”, num tempo de hostilidade humana ao divino. Mas “fomos reconciliados
com Deus por meio da morte de seu filho”. Este é paradigmaticamente o caso do
próprio Paulo, profundamente transformado de adversário em enviado pela ação de
Deus.
A linguagem da amizade era usada para identificar o que
os cristãos partilhavam. Entretanto, 1 Tessalonicenses contém a linguagem do
grupo interligado entre a amizade e a adulação; com a franqueza no falar, trata
de problemas perenes da amizade, como a separação física e a morte de amigos
queridos.
Gálatas, escrita num momento em que a amizade de Paulo
com os gálatas corria perigo de ser rompida, contém um tocante apelo que está
repleto da terminologia amizade. Em 1 Coríntios, o pressuposto com que trata do
problema da divisão da comunidade é o da “unidade de mente” de que os amigos
têm o mesmo pensar e a mesma opinião. Já em 2 Coríntios, ele tem de enfrentar a
acusação de que não é um amigo sincero ou constante, mas sim alguém cujo sim e
não vacila conforme a ocasião, todavia, ele responde ressaltando sua
integridade e sinceridade como pessoa.
A
maneira como Paulo escreve a Filêmon pressupõe que eles estão envolvidos num
relacionamento recíproco, que Paulo recebeu de Filêmon grande alegria e
conforto e que Filêmon tem uma grande dívida para com ele. Por fim, em Romanos,
Paulo ainda faz uso da linguagem da amizade insistindo com os romanos para que
partilhem mutuamente suas vidas alegrando-se com os que se alegram e chorando
com os que choram, pois em virtude da atividade reconciliadora de Deus em
Cristo, todos os cristãos são implicitamente amigos.
Frei
Anderson Domingues
Belo
Horizonte/MG