30/10/2013

Direito de existir


Certa vez conversando com Dom Moacyr Grechi, Arcebispo emérito de Porto Velho, ele me disse que aquela terra onde vivia, a terra da Amazônia tem um rosto próprio, seja do ponto de vista geográfico, seja do ponto de vista humano. Ele fez várias considerações sobre essa parte do Brasil, que para a maioria dos brasileiros é totalmente desconhecida; ali está a maior concentração de povos indígenas do país, os chamados, “povos da floresta”; temos distâncias enormes; a migração de vários Estados transformou a região; antes era uma região prevalentemente de pessoas nordestinas ou pessoas com características indígenas. Hoje a maioria da população é de origem italiana, alemã e polonesa, com sua vivência eclesial também marcada pela experiência do Sul. Outro aspecto, mais ligado ao sociológico, econômico e político: em 1970 houve a invasão, por parte dos grandes proprietários, da região. Milhões de hectares ficaram concentrados nas mãos de poucos e os camponeses foram obrigados a buscar terras distantes. Para finalizar o quadro de Dom Moacyr, no âmbio da Igreja, um clero na sua maioria religioso e estrangeiro, e uma história eclesial recente. Percebe-se uma Igreja que nasce agora, com tudo aquilo que significa de esperança e beleza, mas também de fragilidade.

Nos próximos dias será realizado em Manaus, entre os dias 28 e 31 de outubro o 1º Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, promovido pela Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, cujo Presidente é Cardeal Dom Cláudio Hummes. O objetivo é discutir a realidade político-social, econômica, cultural e religiosa da Amazônia Legal, bem como a contribuição da Igreja Católica para a promoção e defesa da vida dos habitantes dessa Região e de sua rica biodiversidade.

A história da Igreja na Amazônia foi escrita, sobretudo, por missionários estrangeiros, que há 5 séculos estão ali com os povos daquela região. Os missionários, diversamente de turistas ou benfeitores de passagem, ficaram com eles; com infinita paciência, ajudaram-nos no difícil processo de se manterem senhores de sua identidade, mas também a se abrirem ao mundo diverso que vinha ao seu encontro. 

A Amazônia sempre esteve no coração da Igreja e dos Papas: basta recordar o carinho do Beato João Paulo II por aquela terra, e a demonstração de afeto de Bento XVI, quando da sua visita ao Brasil em 2007, fez uma doação em dinheiropara ajudar a missão Amazônia. Já o Papa Francisco durante o encontro com os bispos brasileiros no Rio de Janeiro, no dia 27 de julho último, durante a JMJ pediu que a Igreja Católica reforce a sua ação missionária à imagem do que faz na Amazônia, falando desta região como “teste decisivo” para a Igreja e a sociedade brasileiras.

“A Igreja está na Amazônia, não como aqueles que têm as malas na mão para partir depois de terem explorado tudo o que puderam; ela está presente com missionários, congregações religiosas, e ali continua ainda presente e determinante no futuro daquela área”, disse Francisco.

No desafio pastoral que representa a Amazônia, - disse então o Papa Francisco - não posso deixar de agradecer o que a Igreja no Brasil está fazendo. A Comissão Episcopal para a Amazônia, criada em 1997, já deu muitos frutos e tantas dioceses responderam pronta e generosamente ao pedido de solidariedade, enviando missionários, leigos e sacerdotes. 

A criação dessa Comissão foi uma resposta aos apelos históricos do povo de Deus de rosto indígena, ribeirinho e caboclo. Ela representa o amadurecimento de iniciativas missionárias realizadas, ao longo dos anos, por um bom número de dioceses do Brasil através do programa Igrejas-Irmãs. Esta importante iniciativa surgiu em 1972, após uma visita à Amazônia de D. Aloísio Lorscheider, então presidente da CNBB. 

“A evangelização missionária não pode ser exclusivamente de institutos e organismos, mas tem de envolver toda a Igreja, afirma Dom Erwin Kraütler, Bispo de Xingu. O sujeito da missão é a própria Igreja”... 

A presença da Igreja, de seus bispos, sacerdotes, missionários e leigos é a certeza de que há esperança de futuro, há esperança de uma vida melhor. A Igreja tem um papel fundamental na Amazônia. O Encontro dos próximos dias é a confirmação disso, da sua atenção por essa terra e pelo povo que ali vive. 

Já o Papa João Paulo II dizia: “Uma Igreja fechada sobre si mesma, sem abertura missionária, é Igreja incompleta ou está doente”. Esse é o chamado para olharmos para uma Igreja viva e atuante que caminha ao lado do Povo de Deus. 

Berço de grandes contradições, a Amazônia, vastidão enorme de terra ao lado de um grande número de pessoas deserdadas da terra, é uma realidade repleta de desafios para a Igreja e para a sociedade brasileira. Esse povo, marcado pela pobreza, pelo esquecimento político e institucional, pela exploração, grita pedindo, não socorro, mas direito de existir, de ser respeitado, de viver uma vida digna, de ser conhecido.

Silvonei José Protz
Colunista do Portal Ecclesia.