19/05/2013

O pó das vidas adormecidas


Papa Francisco cunhou nesta semana mais algumas frases que sacodem a consciência dos fiéis: “Não aos cristãos de salão” e “o dinheiro deve servir e não governar a vida”. A primeira frase o Santo Padre disse durante a Santa Missa na Capela da Casa Santa Marta, no Vaticano, lançando o seu não aos cristãos somente educados, sem fervor apostólico. E foi mais longe pedindo ao Espírito Santo que nos dê a graça de sacudir as coisas que estão muito tranquilas na Igreja, a graça de ir avante em direção das “periferias existenciais”. Uma exortação a todos os fiéis para que não se acomodem em suas “vidas tranquilas” como se tudo estivesse pronto, tudo fosse perfeito. Exemplo do contrário disso foi São Paulo um homem capaz de incomodar, de sacudir a poeira do tempo com suas palavras e pregações, com suas atitudes, suas ações. Não media esforços para anunciar o homem que o “derrubou do cavalo” que transformou a sua vida de perseguidor em perseguido. De fato Paulo viveu a sua vida cotidiana após o encontro com o Mestre, perseguido, odiado, não mais amado. Paulo nos ajuda a entender que devemos viver não jogados em um “salão de comodidades”, em uma vida tranquila, mas sim no compromisso do verdadeiro cristão, do anúncio do Evangelho. Papa Francisco falou de “Zelo apostólico”, recordando que não é entusiasmo pelo poder, de possuir, mas sim do conhecimento de Jesus, “do nosso encontro pessoal com ele”, e para isso devemos ser loucos, numa loucura espiritual, como Paulo. Não devemos ser frios mornos mas pessoas comprometidas, agitadas, sedentas. Francisco diz ainda que devemos incomodar as coisas tranquilas na Igreja, questionar, e se perturbarmos, bendito seja o Senhor. 

A segunda frase “o dinheiro deve servir e não governar a vida” foi dita em outro contexto falando a 4 novos embaixadores recebidos no Vaticano para a apresentação de suas cartas credenciais. O Papa não condenou o rico, disse que ama a todos, ricos e pobres, mas o dever de quem tem posses é ajudar aqueles que têm menos, respeitando os últimos. O dinheiro tornou-se para muitos um ídolo e ideologias promovem a autonomia absoluta do mesmo. O Papa cita a especulação dos mercados financeiros afirmando, sem meias palavras, que existe uma “tirania invisível”, às vezes virtual, das leis do mercado. Hoje vivemos uma crise financeira que atinge muitos países em todo o mundo, antes seguros de sua força econômica, e que hoje balançando na corda de um futuro incerto, muitas vezes esquecem que na crise financeira teve um papel fundamental “a vontade de poder e de posse”, uma vontade sem limites. O Papa Francisco de modo sintético enfatiza que por detrás desse comportamento se esconde a rejeição à ética, ao próprio Deus. Precisamente como a solidariedade, a ética incomoda. O aumento da pobreza no mundo tem suas causas precisamente na falta de solidariedade. Francisco encorajou os homens das finanças e os governantes a refletirem sobre as palavras de São João Crisóstomo: “Não compartilhar com os pobres os próprios bens é roubar deles e tirar-lhes a vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas deles”. 

A Igreja não possui receitas para acabar com crises financeiras, com situações criadas pela corrida desenfreada do homem passando sobre o homem, mas indica a direção a ser tomada agindo sempre para o desenvolvimento integral de cada pessoa. Encoraja a estarem a serviço do bem comum. Papa Francisco através das suas frases voltou a mexer com os brios de fiéis que se sentem fiéis justos, mas passivos, e daqueles que vêem só no dinheiro, o poder transformador da sociedade. Francisco sacudiu e sacode as consciências. Ele nos encoraja a tirarmos o pó das nossas vidas adormecidas e sem sentido, a mudar de vida.

Silvonei José Protz
Colunista do Portal Ecclesia.
Diocese de Roma (Itália). Doutor em comunicação e professor universitário em Roma. Jornalista da Rádio Vaticano: "a voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo".