22/10/2015

A ressurreição de Jesus segundo a comunidade joanina: uma leitura de João 20,11-18


Maria Madalena, diante do sepulcro vazio, representa a comunidade. A ausência do corpo de Jesus provoca angústia, dor e tristeza. É o sofrimento que distorce e dificulta a visão e a compreensão. Há vários motivos que abatem e dificultam a crença da comunidade no Senhor ressuscitado. Eles precisam reavivar sua fé e reacender a esperança para resistir aos sofrimentos e perseguições e crer na possibilidade da vida nova.
 Jesus ainda não tinha chegado à aldeia; estava no lugar onde Marta o havia encontrado. Quando os judeus que estavam na casa com Maria, procurando consolá-la, a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que iria ao túmulo para aí chorar. Ao chegar ao lugar onde estava Jesus, ela o viu. Maria caiu a seus pés e disse: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,30-32).
O encontro entre Maria e Jesus é pleno de sentimentos. Ela se prostra, não tem receio de ser ela mesma, de expressar sua dor e tristeza pela perda do seu irmão Lázaro. Uma cena comovente: de um lado estão os judeus que se comovem e choram a morte de seu amigo; de outro, Jesus, que se compadece e se emociona (Jo 11,33). Morte, dor, angústia, sofrimento e muita tristeza!
O episódio, que narra a doença, a morte e a ressurreição de Lázaro, inicia-se mostrando o sofrimento: em João 11,1-6 a palavra “doença” aparece cinco vezes. A repetição desse termo reflete a situação de sofrimento das comunidades joaninas, provocada pela perseguição; da comunidade representada por Lázaro, cujo nome significa “a quem Deus ajuda”, Marta, “dona de casa” ou “senhora”, e Maria, “a amada”. Eles estão localizados em Betânia, a “casa do pobre” ou “da aflição”. Esse grupo abraçou a fé cristã e, por isso, foi perseguido pelo império romano e pelas autoridades judaicas. Os judeus fariseus chegaram a ponto de expulsar os judeus cristãos da sinagoga, o centro comunitário dos judeus da época: “Eu tenho falado todas essas coisas, para que vocês não fiquem escandalizados. Vão excluir vocês das sinagogas. E vai chegar a hora quando alguém, matando vocês, julgará estar prestando culto a Deus” (Jo 16,1-2).
 No episódio de Lázaro, o sinal de morte transparece na palavra de Tomé ao ouvir de Jesus a decisão de ir para a Judeia: “Vamos nós também para morrermos com ele” (Jo 11,16). Os membros da comunidade joanina estão sendo torturados e mortos na perseguição. A comunidade descreve que a morte de Lázaro é definitiva: ele já está morto há quatro dias. O fim de todas as esperanças da vida! Ainda mais: a crença na ressurreição do último dia, conforme à tradição farisaica, torna difícil para a comunidade crer na vida nova: “Eu sei que ele vai ressuscitar na ressurreição, no último dia” (Jo 11,24). Não há a “ressurreição” na vida da comunidade?
A comunidade precisa reavivar a fé e reacender a esperança para resistir aos sofrimentos e às perseguições! No episódio de Lázaro, é possível afirmar que uma profunda relação de amizade e amor, capaz de gerar vida nova entre os membros, ajuda a comunidade a superar o abandono e o sofrimento. Em tal contexto, esse episódio relata uma relação de intimidade e afeto entre Jesus e suas amigas e amigos.
“Jesus chorou” (Jo 11,35). Jesus é tomado por um sentimento intenso de perda e tristeza. Diante do choro, os judeus concluem: “Vejam como ele o amava!” (Jo 11,36). Essa é a principal característica das comunidades joaninas do discípulo amado: o amor mútuo entre Jesus e os membros da comunidade. “Se vocês tiverem amor uns aos outros, todos vão reconhecer que vocês são meus discípulos” (Jo 13,35).
Por trás da reação de Jesus, tão humana e afetiva, podemos ler as atitudes cotidianas das comunidades joaninas: a convivência e os laços de amor que unem os membros entre si na dor e na alegria. Sinal da presença de Jesus ressuscitado na comunidade. Essa força transparece na cena em que Lázaro passa da morte à vida: “Jesus gritou em alta voz: ‘Lázaro, venha para fora!’” (Jo 11,43). Lázaro sai com os pés e as mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário. Jesus diz à comunidade: “Soltem-no e deixem que ele ande” (Jo 11,44).
É a comunidade que ajuda a ressuscitar Lázaro, desata-lhe as mãos e os pés. A comunidade colabora para devolver a vida a seus membros. O grito de Jesus e da comunidade expressa o clamor pela vida! É a convivência, sedimentada pelo laço de amor, que faz a comunidade defender a vida e ressuscitar. A vida nova depende da ação solidária e amorosa da comunidade. À medida que as pessoas vão sendo libertas de suas amarras, elas se abrem para uma nova vida.
A ressurreição de Lázaro encerra o Livro dos Sinais (Jo 2,1-11,54). É o maior sinal realizado por Jesus: a vida que supera a morte. Ao mesmo tempo, é anúncio e preparação do grande sinal: a própria morte e ressurreição de Jesus (Jo 18-20). Na perspectiva cristã, Jesus é a ressurreição e a vida (Jo 11,25-26). Quem crê nele viverá na prática da fraternidade, da justiça e do amor como ressuscitado.
Como o episódio de Lázaro, o relato da ressurreição de Jesus é, inicialmente, marcado por angústia, dor e sofrimento:
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi bem cedo ao túmulo de Jesus, quando ainda estava escuro. E logo viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então saiu correndo e foi encontrar com Simão Pedro e o outro discípulo, aquele a quem Jesus amava. E lhes disse: “Tiraram do túmulo o Senhor, e não sabemos onde o colocaram”. Maria continuava ali, chorando junto ao túmulo (Jo 20,1-2.11a).
Maria, representando a comunidade que busca o corpo de Jesus para ungi-lo, vai ao sepulcro em que ele fora colocado e encontra a pedra removida e o local vazio. A ausência do corpo de Jesus provoca angústia, dor e tristeza. É o sofrimento que distorce e dificulta a visão e a compreensão da realidade. A comunidade, então, compreende que o corpo de Jesus foi roubado. Não compreende que a ausência do corpo indica o sinal da vida nova: a ressurreição. Há vários motivos que abatem e dificultam a crença da comunidade no Senhor ressuscitado:
  • Os cristãos sofrem com a perseguição: “Se perseguiram a mim, vão perseguir a vocês também” (Jo 15,20). Há falta de esperança em meio ao sofrimento, à miséria e à desolação. Alguns membros da comunidade ficam prisioneiros do círculo do sofrimento e da morte.
  • Segundo a cultura greco-romana, o ser humano é dividido em duas partes: a alma e o corpo. Enquanto a alma é imortal, o corpo é mortal. Não há nenhuma possibilidade da ressurreição do corpo. As comunidades cristãs sofrem com a influência de diferentes ideias e crenças sobre a morte. Alguns membros da comunidade cristã de Corinto, por exemplo, rejeitam a ressurreição de Jesus e a dos mortos: “De que maneira os mortos ressuscitarão? Com que corpo voltarão” (1Cor 15,35).
  • A tradição farisaica prega que a pessoa justa por cumprir a Lei é ressuscitada para a vida eterna e o injusto vai para o castigo eterno. Por isso, Paulo testemunha: “Nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus” (1Cor 1,23). É escândalo porque Jesus rompe as barreiras da lei do puro e do impuro e morre na cruz, considerada “maldição de Deus” e “ato de impureza” (Dt 21,22-23).
Tudo isso põe em dúvida a ressurreição de Jesus. É necessário levar a comunidade a depositar sua fé no Senhor ressuscitado, o Senhor da vida. Com o relato da aparição a Maria Madalena, o Evangelho de João, então, prepara o leitor para fortalecer a esperança e, nela, entrar na presença do Ressuscitado.
O Evangelho de João 20,11-18 relata o encontro entre Maria Madalena e Jesus: ela começa o processo de superar a prisão do círculo do sofrimento e morte e encontra Jesus Cristo ressuscitado. O relato do encontro se inspira no Cântico dos Cânticos, um poema do amor e, ao mesmo tempo, um grito de libertação, no qual a amada procura pelo amado. Uma busca intensa que termina com o encontro: “Encontrei o amado da minha vida, agarrei-o e não o soltarei…” (Ct 3,4).
Por:Maria Antônia Marques